No Chile, o Brasil que não queremos: termoelétrica de Eike Batista X Biodiversidade e Comunidade de Pescadores

Por João Telésforo Medeiros Filho

A empresa MPX, do bilionário brasileiro Eike Batista, conta com o apoio do governo direitista do bilionário Sebastian Piñera para construir, no norte do Chile, a termoelétrica de Castilla, que seria a maior da América do Sul. Seria, porque a obra foi embargada pela Corte de Apelações de Antofagasta, em ação movida por pescadores de Totoral, região da futura central. Segundo os juízes, a obra “atenta contra o direito de viver em um meio ambiente livre de contaminação dos recorrentes [os pescadores]”. A empresa recorreu à Suprema Corte do Chile, que julgará o caso nos próximos dias.

A termoelétrica, caso  entre em funcionamento, afetará a área de Punta Cachos, de grande biodiversidade marinha. A enorme quantidade de água quente despejada no mar pela atividade da usina “altera o funcionamento normal dos ecossistemas marinhos, provocando desequilíbrios que ameaçam a conservação da biodiversidade e dos diversos recursos do mar que servem de sustento às comunidades locais”, segundo explica Alex Muñoz, da entidade ambientalista Oceana Chile – fonte: Terramérica, projeto de comunicação do Pnuma e do Pnud, da ONU. Além disso, as emissões de enxofre, óxido de nitrogênio e principalmente mercúrio derivadas da combustão de carvão na termoelétrica contaminariam o mar e a vida marinha, o que pode ser altamente nocivo à saúde pública, segundo informa a mesma matéria da Terramérica:

‘O consumo de pescados ou mariscos com mercúrio pode trazer graves problemas, como alterações no desenvolvimento cerebral dos fetos e na saúde cardiopulmonar dos adultos’, ressaltou [Sara Larraín, da ONG Chile Sustentável].

A Organização Mundial da Saúde classifica o mercúrio entre os dez grupos de produtos químicos mais nocivos à saúde. O Projeto Castilla contempla um porto para descarga de carvão, uma série de redes viárias e depósitos em um local de cem hectares para colocar cinzas, também contaminantes. A Lei Geral de Serviços Elétricos, aprovada em 1982 pela ditadura do general Augusto Pinochet (1973-1990), ‘entregou o desenvolvimento elétrico ao setor privado, que, desde então, diz o que fazer, onde e com qual tecnologia’, afirmou Larraín ao Terramérica.

Os habitantes de Totoral são os principais opositores de Castilla em uma luta desigual, que é apoiada por algumas organizações ecologistas. No entanto, a perseverança da comunidade teve uma primeira recompensa. No dia 6 deste mês, o Tribunal de Apelações de Antofagasta acolheu um recurso contra a central. A decisão judicial determinou que a permissão ambiental para a construção de Castilla se baseou em um informe produzido ilegal e arbitrariamente e que, portanto, nunca deveria ter sido concedida.

O governo chileno e Eike Batista argumentam que o Chile precisa gerar energia para sustentar o crescimento da economia e o consumo por parte das pessoas.

Crescimento, sim, mas não a qualquer custo, e não de qualquer maneira!

Modelo de desenvolvimento: energia e crescimento para quem?

Afirmar a necessidade de aumentar os investimentos em fontes mais limpas de energia (eólica e solar, notadamente) é fundamental, mas insuficiente – assim como fazer campanhas e adotar práticas pelo consumo consciente.

A questão que precisamos colocar no centro do debate sobre geração de energia e crescimento econômico é: crescimento para quem? Energia para quem? Esse crescimento de fato serve para gerar melhores condições de vida para a população?

O que vemos no caso da termoelétrica de Castilla, assim como no da central de Belo Monte e de outros grandes projetos no Brasil, são comunidades ribeirinhas, de pescadores, de indígenas, sendo negativamente afetadas em sua fonte de sustento, e até mesmo removidas das áreas que habitam; além disso, os danos ambientais alcançam a população como um todo – não apenas do país, mas do planeta, pois há anos sabemos que o crescimento da emissão de carbono está provocando mudança climática que nos conduz a um cenário catastrófico, inclusive na economia. Não custa repetir: Nicholas Stern, que foi economista-chefe do Banco Mundial de 2000 a 2003, publicou em 2006 um relatório para o governo britânico no qual afirmou que o custo da inação ante o aquecimento global poderia chegar, até 2035, a 20% do PIB mundial.

Se o mundo inteiro e em especial os habitantes da região da usina sofrerão com seus impactos, quem será beneficiado por ela? Eike Batista, claro. E mais a meia dúzia de privilegiados pelo concentrador modelo econômico chileno, que, aliás, reflete-se também no modo de apropriação dos lucros gerados pela termoelétrica.

Transformar para incluir

A inclusão social de bilhões de pessoas do mundo que vivem em situação de pobreza exige, evidentemente, maior acesso ao consumo para elas, que carecem de quantidade e qualidade adequada de bens básicos como alimentos, produtos de limpeza e higiene pessoal, móveis, geladeiras, computadores, etc. Para que esse processo de inclusão possa ocorrer sem implicar danos crescentes e suicidas ao meio ambiente, nós, que já temos acesso a tudo isso e muito mais, precisamos repensar nossa corrida desenfreada pelo consumo, símbolo de status no nosso mundo individualista de objetificação do ser humano e de sacralização de mercadorias (o automóvel individual, que consome tanta energia, talvez seja o maior ícone desse mundo). Para isso, porém, não bastam campanhas bonitinhas ou atitudes individuais. O que há de mais decisivo nessa luta é a mudança da estrutura da nossa economia, de modo que a inclusão de quem está à margem não dependa da eterna promessa da expansão de um bolo cuja divisão é sempre adiada para um futuro inalcançável, e cujo crescimento, ademais, se faz com fermento autodestrutivo, conforme têm assinalado os cientistas.

O essencial não é crescer, mas transformar para incluir: ao invés de jogar nas costas dos pobres as limitações impostas por restrições ambientais à produção econômica (seja colocando o passivo socioambiental de megaprojetos na conta deles, como sempre ocorre; seja abdicando de crescer, mas preservando intocada a estrutura da economia, o que também significa mantê-los pobres como estão), devemos aproveitar a crise ambiental como oportunidade para caminharmos rumo a uma economia igualitária. Que os limites ditados pelo meio ambiente sirvam para nos lembrar de que não precisamos esperar crescimento algum para garantir a todos uma renda básica de cidadania, bem como educação e saúde públicas, gratuitas e de qualidade, ou para transformarmos as nossas cidades, rumo a modelos menos segregados e dependentes de automóveis individuais motorizados. Já é possível fazer tudo isso com os recursos que estão hoje à nossa disposição. Basta que tomemos a decisão política de fazê-lo, mobilizando-nos pelas reformas necessárias e exigindo nosso direito de apropriação comum da riqueza que em comum, como sociedade, produzimos.

Novo Relator do Código Florestal

Por Laila Maia Galvão

13 de abril de 2009. É sancionada a lei 14.675, o Código Estadual de Meio Ambiente de Santa Catarina. Pouco tempo depois, o Procurador-Geral da República à época, Antonio Fernando de Souza, ajuíza uma ADI contra a referida lei estadual.

De acordo com o Procurador-geral, a lei contraria regras e princípios gerais, de observância obrigatória, estabelecidos pela União em matéria de proteção ao meio ambiente. Especificamente, estariam sendo violadas partes das leis 4.771/65 (Código Florestal), 7.661/88 (Lei do Plano Nacional do Gerenciamento Costeiro), e 11.428/06 (Lei de Proteção à Mata Atlântica). Para o PGR, a lei é inconstitucional, pois a legislação estadual pretende substituir padrões normativos que dependem de disposições federais. O PGR afirmou que a competência suplementar não deve ser utilizada com esse viés.

Quem sancionou a lei foi o Governador do Estado de Santa Catarina Luiz Henrique da Silveira, do PMDB. Antes de sancioná-la, o então Governador afirmou que o código era “moderno e desenvolvimentista”.

Os produtores rurais exerceram forte lobby durante a tramitação do projeto na Assembleia Legislativa. Um dos trechos mais questionados da lei diz respeito à faixa de vegetação de cinco metros que deve ser preservada nas margens de córregos com cinco metros de largura. O atual Código Florestal brasileiro prevê 30 metros de preservação.

De acordo com ambientalistas catarinenses, o projeto atendeu exclusivamente aos interesses do governador e de alguns parlamentares a serviço do lobby da especulação imobiliária e de ruralistas (médios e grandes produtores rurais), principalmente aqueles que tem passivos ambientais e que buscariam desmantelar a legislação que protege as APPs e as Reservas Legais, com o intuito de ampliar as ocupações em áreas de risco.

O ex-Governador é um crítico da legislação ambiental. Para sua campanha ao Senado, recebeu doações do agronegócio. Também apoiou empreendimentos turísticos, tal como o Costão Golf, do empresário Fernando Marcondes de Mattos, que estaria envolvido na Operação Moeda Verde (ver aqui). 

2 de Junho de 2010. O Senador Luiz Henrique da Silveira, do PMDB de SC, é indicado para relatoria do projeto de lei que trata do novo Código Florestal na Comissão de Agricultura e Reforma Agrária. Ele também irá relatar a matéria na Comissão de Constituição e Justiça.

O Senador informou que vai trabalhar para que o texto seja alterado o mínimo possível, uma vez que obteve aprovação expressiva na Câmara. O Senador afirmou ainda que vai trabalhar para “reduzir tensões, isolar os radicalismos de todos os lados e construir um consenso positivo”.  

Que consenso positivo será esse? O consenso dos empreendimentos imobiliários e dos interesses do agronegócio?

Abaixo, entrevista recente com o Senador:

 

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Sagrada Terra Especulada – A luta contra o Setor Noroeste

Lançamento do Filme Sagrada Terra Especulada
Por cmi-brasília 30/11/2010 às 00:58

O documentário Sagrada Terra Especulada – A luta contra o Setor Noroeste, produção do CMI-Brasília está com a estréia confirmada para dia 3 de dezembro, próxima sexta feira.

O local da estréia será a central de vendas do Setor Noroeste, localizada no eixinho L, na 208 Norte. O horário é às 20hs.

Essa é mais uma ação dos moradores e moradoras de Brasília que não aceitam a política de ordenamento urbano feita pelos governos do Distrito Federal, historicamente aliados às construtoras e imobiliárias, nacionais e internacionais, e que alimenta o bolso dos Especuladores, criando na maioria das vezes problemas irreparáveis ao bem estar e a saúde dos moradores da Cidade. Não existe déficit habitacional na faixa de consumidores à qual o projeto Noroeste é voltado.

As obras do Noroeste já estão fazendo um estrago enorme na última área de cerrado nativo do plano piloto. E a situação das comunidades indígenas, que era uma condicionante a ser cumprida antes do início das obras, ainda não foi definida.

Essa é a história do rolo compressor dos Barões do concreto, contra as leis, contra a natureza, contra a cultura ancestral, contra a Vida!

Venha participar desse ato de insubimissão de quem não aceita mais o desrespeito por parte dos Governos e Empresários.

Brasília não precisa do Noroeste!!!

Santuário dos Pajés é patrimônio natural, histórico, cultural e espiritual!

Ayaya!!!

Awiry!!!

Ahooo!!!

Comparação de programas: Meio Ambiente

Este post é parte complementar do projeto “comparativo das propostas dos principais candidatos à Presidência”, uma parceria entre os grupos Brasil e Desenvolvimento e Instituto Alvorada. Além desta e outras análises escritas, um quadro comparativo em tópicos com as principais propostas de cada candidato foi disponibilizado (aqui).

Por João Telésforo Medeiros Filho

A sustentabilidade ambiental é uma diretriz para políticas públicas de diversas áreas, razão pela qual é complicado fazer uma análise setorial. Aspectos fundamentais da questão já estão contemplados nas comparações das políticas energética, agrária e de ciência, tecnologia e inovação, às quais remetemos. Acrescentaremos, aqui, alguns outros aspectos.

Para termos noção da dimensão do problema, tomemos, a título de exemplo, a situação do Cerrado, que cobre 1/4 do território brasileiro, possui 5% de toda a biodiversidade do planeta e é responsável por 70% das vazões das bacias do Paraná-Paraguai, Araguaia-Tocantins e São Francisco: segundo o Ministério do Meio Ambiente, 47,8% da área original desse bioma tinha sido desmatada até 2008 (informações do Blog do Sakamoto). A razão principal é a furiosa expansão da fronteira agropecuária – que tem avançado também sobre a Amazônia, em estados como o Pará.

Espera-se dos candidatos que apresentem propostas para evitar que o Brasil siga destruindo sua valiosíssima biodiversidade (em todos os sentidos, inclusive econômico) a troco de transformar-se num grande fazendão de gado, soja e cana-de-açúcar…

Plínio de Arruda Sampaio, do PSOL, propõe a realização de auditoria da dívida ecológica decorrente dos passivos ambientais provocados pelas grandes indústrias e agronegócio. O grande montante de dinheiro que seria resgatado pela cobrança dessa dívida seria direcionado à pesquisa e transição para matrizes energéticas limpas e renováveis. Afirmando a necessidade de apoio aos ribeirinhos, indígenas e populações tradicionais, posiciona-se contra a construção da Hidrelétrica de Belo Monte e a transposição do Rio São Francisco. Para lidar com a carência de água no semi-árido, defende, de modo vago, “projetos” para combater os efeitos da seca.

Plínio compromete-se com o desmatamento zero e a revogação da MP 458, que teria legalizado a grilagem no campo. Deixa a desejar, aí (como na questão do acesso à água), no quesito propositivo. A referida MP, com os defeitos que tenha, procurou em tese solucionar o caos fundiário da Amazônia. Se a ideia é revogá-la, o que se propõe em seu lugar?

Apesar dessas limitações, o programa de Plínio para a área tem um grande mérito: a plena ciência de que não se consegue preservar o meio ambiente apenas com proibições e fiscalização; é preciso avançar rumo a uma outra forma de organização socioeconômica, de base sustentável. Sua grande aposta nesse campo, além da redistribuição de recursos de grandes poluidores para investimentos em pesquisas e inovações sustentáveis, é a reforma agrária. A lógica do agronegócio, de transformar terra, água, sementes, trabalho e biodiversidade em mercadoria, tornaria a sustentabilidade impossível. O PSOL defende a passagem para um modelo de produção agrícola e industrial plenamente sustentável do ponto de vista social e ambiental, o que só acontecerá quando o motor da produção econômica, em vez do lucro, for o bem-estar dos trabalhadores.

O programa de Dilma Roussef contempla a reforma agrária como “centro da estratégia de desenvolvimento sustentável”, com a instituição de “vigoroso programa de produção agroecológica na agricultura e agroindústria familiar”. Afirma a disposição de concluir as obras de transposição do São Francisco, com recuperação do rio e de seus afluentes. Propõe a consolidação do Sistema Nacional do Meio Ambiente – SISNAMA, com ampliação para maior proteção e uso sustentável da biodiversidade brasileira, recuperação de áreas degradadas e prevenção de acidentes em áreas de risco. Pretende ainda estimular pólos industriais em biotecnologia e dar continuidade à atuação pelo fortalecimento das iniciativas internacionais para enfrentar o processo de mudança climática.

As propostas de Marina Silva convergem com as de Dilma, mas, nessa área, dão passos além. Além de toda a retórica, tem-se de concreto o compromisso com o desmatamento zero em todos os biomas, e um detalhamento  um pouco maior de algumas propostas para que se avance rumo a uma “economia verde”, de baixo carbono, como o investimento no turismo sustentável, propondo em concreto a promoção de fonte de renda direta para a conservação de patrimônios naturais, culturais e arqueológicos. Sinaliza o fortalecimento da economia solidária “aprofundando seus laços com a sustentabilidade e a inserção dos empreendimentos da economia solidária no mercado justo e sua articulação com os movimentos e redes de consumo consciente e sustentável” (o programa de Dilma também propõe o fortalecimento da economia solidária, dando continuidade a uma política importante, mesmo que ainda tímida, do governo Lula; porém, não a relaciona de modo explícito à sustentabilidade, nem ao movimento pelo “consumo consciente”).

Marina apresenta ainda algumas propostas no plano institucional: implantar um Sistema Nacional de Alerta de Desastres Naturais, regulamentar a Lei de Mudanças Climáticas, criar a Agência Nacional de Clima e apoiar fortemente a aprovação da política nacional de resíduos sólidos no Congresso, entre outras. Não toma posição, no entanto, com relação a temas polêmicos como os transgênicos. Plínio se posiciona claramente contra os transgênicos, por razões ambientais e sociais.

Quando elaboramos o quadro comparativo, não havia propostas no site de José Serra. O candidato apresentou suas propostas a poucos dias do pleito, num gesto de grande desrespeito ao eleitor. Ao longo da campanha, não fez nenhuma proposta concreta ou assumiu qualquer compromisso relevante que o diferenciasse – para melhor – de Dilma ou Marina no tema da sustentabilidade. As contradições do governo Lula, que devem prosseguir com o eventual (e provável) governo Dilma, provavelmente seriam agravadas num governo Serra, em que as forças contrárias aos interesses do agronegócio mais predatório seriam ainda (e muito) mais fracas.

Batalhas importantíssimas, no meio ambiente, serão travadas no Congresso Nacional. Procure saber quais as posições dos candidatos à Câmara Federal e Senado sobre o tema. Quem sabe assim, em vez de um retrocesso no Código Florestal, não possamos ter um Código da Biodiversidade?