Em sabatina no Senado, Ministro Teori Zavascki foi instado pela sociedade a revelar sua postura e compromisso diante de temas centrais de direitos humanos

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“Eu acho muito importante que as entidades sociais e corporativas participem” (Min. Teori Zavascki)

A JusDh – Articulação Justiça e Direitos Humanos oficiou senadores da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) com perguntas a serem elaboradas ao Ministro Teori Zavascki em sua sabatina no Senado Federal, realizada nos dias 25 de setembro e 17 de outubro. Teori foi indicado pela Presidenta Dilma para a vaga do Ministro Cesar Peluso no Supremo Tribunal Federal (STF). Os questionamentos buscavam conhecer a compreensão, as posturas e o compromisso do jurista em relação aos direitos humanos e à democratização da justiça.

Tratando-se de direitos humanos, é fundamental não perder de vista a importância da função de Ministro do STF e, portanto, da sabatina. Esse procedimento deve significar debate público, arguição pública; deve garantir que toda a sociedade brasileira dialogue e conheça o novo Ministro. Desse modo, a sabatina não deve ser realizada como mera formalidade, pois representa um importante momento da política de justiça. Neste sentido, constitui uma importante medida para a Reforma Política a inclusão de mecanismos de participação nas sabatinas para os cargos de autoridades da Justiça (STF, STJ e CNJ), nos moldes do PRS 08/2011 (Projeto de Resolução do Senado 08/2011), que teve sua tramitação paralisada no Senado Federal.

Contrariando essas diretrizes, a sabatina do Ministro Teori ocorreu de forma acelerada, uma vez que em apenas duas rápidas sessões da CCJ foi realizado todo o procedimento. Além disso, o parecer relativo à indicação foi lido pelo relator quando o Plenário do Senado estava esvaziado, e a sociedade sequer teve tempo de debater de forma adequada e se posicionar sobre a indicação, antes que a sabatina fosse concluída.

Apesar disso, através das perguntas enviadas pela JusDh, foi possível conhecer o posicionamento do Ministro em relação a alguns temas de extrema relevância para a sociedade brasileira. Algumas das perguntas enviadas pela JusDh, foram elaboradas pelos senadores Eduardo Suplicy e Antônio Carlos Valadares, provocando o posicionamento de Zavascki diante de temas como gênero, audiências públicas no Judiciário, procedimento de escolha de Ministros dos Tribunais Superiores e função social da propriedade, entre outros.

Dos questionamentos formulados, o Ministro não respondeu à questão sobre a laicidade do Estado e o ensino religioso em escolas públicas, porém, abordou questões referentes ao financiamento público de campanha, ações coletivas, Pacto de San José da Costa Rica, conforme elencado abaixo.

Conheça um pouco do posicionamento do terceiro Ministro indicado pela Presidenta Dilma para o STF, através de trechos de sua sabatina, ora através de respostas tímidas, ora de posicionamentos mais firmes.

Em breve serão publicadas algumas análises sobre os posicionamentos de Teori em sua sabatina.

– GÊNERO

“Na questão da discriminação de gênero, como todas as discriminações, certamente o Judiciário não pode ser o autor de políticas públicas, mas ele deve, sim, dar cumprimento às políticas estabelecidas. […] A questão do papel do Judiciário nas questões de desigualdade de gênero… eu acho que o Judiciário tem, certamente, de enfrentá-las, como faz em qualquer caso em que há discriminação. Deve exercer o seu papel de aplicador de lei.”

– AUDIÊNCIAS PÚBLICAS E PARTICIPAÇÃO SOCIAL NO JUDICIÁRIO

“As audiências públicas já são um sistema, uma providência mais ou menos corriqueira no âmbito do Legislativo. Elas têm sido uma espécie de novidade no âmbito jurisdicional; mas eu acho que se justificam especialmente no momento histórico em que o Judiciário edita normas, edita sentenças com caráter, com natureza expansiva, quer dizer, com efeitos vinculantes para outros casos.”

– FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE, OCUPAÇÃO DE TERRAS POR MOVIMENTOS SOCIAIS E DESAPROPRIAÇÃO JUDICIAL

“Mas isso não significa dizer que a propriedade privada seja um valor absoluto. Ele tem que ser relativizado, até para a convivência com outros direitos fundamentais, como, por exemplo, a função social da propriedade.

Então, quando se fala em direito de propriedade, se fala no estatuto legal da propriedade; quando se fala em função social da propriedade, se fala em utilização social da propriedade, que não é necessariamente pelo proprietário. Talvez, se pudesse falar melhor em função social das propriedades, até no plural. Então, essa é a distinção. E o legislador, de alguma forma, e o juiz, se for o caso, tem que adequar isso.”

[Sobre o instituto da desapropriação judicial]

“Isso está no Código Civil e foi apelidado, no meu entender equivocadamente, de desapropriação judicial. E se diz assim porque, na verdade, o proprietário tem que ser indenizado. E como tem que ser indenizado, e não é pelo Estado – o Código não diz, mas certamente será por quem vai possuir –, não vi aplicação prática desse dispositivo, embora seja um caso clássico de relativização.”

– CONDICIONANTES DO CASO RAPOSA TERRA DO SOL E DEMARCAÇÃO DE TERRAS INDÍGENAS

“Tecnicamente não [se aplicam as condicionantes a outros casos], porque se trata de uma decisão num caso específico, sem efeito vinculante. Então, teoricamente, não. Agora, não se pode negar o caráter persuasivo de uma decisão dessa natureza, até porque essas condicionantes, na verdade, de um modo geral, ao que me consta, esclareceram o regime jurídico da ocupação de terras e da demarcação de terras.

Foi muito mais explicitação do que já consta do sistema do que propriamente uma criação de uma norma nova, aparentemente. Isso tem um efeito persuasivo, embora, no meu entender, justamente por explicitar um regime, por se tratar de uma decisão que explicita um regime jurídico para o futuro, essa decisão não tem um caráter imutável nem mesmo para a Serra do Sol. […]. Nada impede, portanto, que o legislador, por exemplo, edite normas a respeito de reservas indígenas. Obviamente que essas normas não vão ter efeito retroativo, mas têm efeito prospectivo que podem certamente influenciar na aplicação dessa decisão do Supremo Tribunal Federal. É assim que vejo essa questão.”

– PACTO DE SAN JOSÉ DA COSTA RICA

“Eu, particularmente, acabei vencido no STJ, em relação [à prisão do] ao depositário infiel, quando se trata de depósito judicial, porque não via nisso uma proibição, nem no Pacto São José da Costa Rica, nem no nosso Direito interno, porque o depositário judicial não é um depósito que importe uma dívida. Então, se poderia estabelecer essa exceção. De qualquer modo, não é essa a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal.”

[Perguntado se poderíamos desafiar na Corte Interamericana de Direitos Humanos uma decisão do Supremo:]

“Eu acho que isso é incompatível com a nossa Constituição. Acho que é. E, salvo melhor juízo, essa é a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, até porque o Pacto São José da Costa Rica não tem uma estatura constitucional.”

– PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA NO DIREITO PENAL E LEI ANTIDROGAS

“Há certos casos que a própria lei tipifica, casos, vamos dizer assim, que poderiam ser chamados de insignificantes, que parece ser o caso. Quer dizer, a pequena quantidade, o porte de pequena quantidade de droga, por si só, já é tipificado. De modo que aplicar o princípio da insignificância, nesse caso, significaria, na prática, deixar de aplicar a própria lei. Por isso, ao que me consta, a jurisprudência até do Supremo é no sentido de que, nesse caso, não teria aplicação o princípio da insignificância.”

– MARIORIDADE PENAL E CLÁUSULA PÉTREA

“No meu entender, a maioridade penal não é uma cláusula pétrea. No meu entender. Eu acho que… Enfim, não tenho uma posição definitiva a respeito. Em princípio, a minha posição, manifestada inclusive em discussões doutrinárias, em matéria de cláusulas pétreas, é que se deve dar uma interpretação restritiva às cláusula pétreas, como forma até de valorizar a necessidade de adaptar a Constituição às mudanças sociais e valorizar o papel do Congresso Nacional.”

– AÇÕES COLETIVAS E DIREITO DO CONSUMIDOR

“A questão das ações coletivas: eu acho que é um grande avanço no nosso sistema de processo o sistema do processo coletivo. Acho que se deveria caminhar mais profundamente nesse sentido. Tive oportunidade de comparecer na Comissão da Câmara dos Deputados que está examinando o Código de Processo Penal e uma das observações que fiz foi acerca da necessidade de incorporar o sistema de processo coletivo ao nosso sistema de processo.”

– FINANCIAMENTO PÚBLICO DE CAMPANHA

“A questão do financiamento público de campanha. Essa é uma questão que depende, como se disse aqui, muito mais do Legislativo do que do Judiciário. Também é uma questão de política legislativa. Quanto aos sistemas de financiamento, nós sabemos que dificilmente se vai criar um sistema imune a abusos. O que se deve buscar são formas, as mais democráticas possíveis, de exercício da cidadania. Espero que o Legislativo possa preencher essa lacuna, que diz respeito realmente ao Poder Legislativo.”

– SISTEMA DE ESCOLHA DOS MEMBROS DOS TRIBUNAIS SUPERIORES

“Essa questão da escolha dos membros dos Tribunais Superiores está sempre em aberto e – vamos dizer assim – até hoje não se encontrou um sistema que fosse imune a qualquer crítica.

Eu acho muito importante que as entidades sociais e corporativas participem, mas penso que essa participação não pode ser de modo tal, que tenha um poder vinculante tal que iniba a definição pelos órgãos próprios do Estado, pelos representantes do Estado que são eleitos pelo povo e que, afinal, digamos assim, de alguma forma ou por todas as formas e por todas as razões, representam uma visão mais ampla da sociedade. Acho que se deveria associar aí que, em nosso sistema, se permite, não diretamente, mas pelo menos indiretamente, que as entidades sociais participem. Enfim, acho que o sistema, por mais criticável que possa ser, permite – o sistema que nós temos –, sim, uma influência, ainda que indireta, de entidades importantes da sociedade.”

Contato:
Antonio Sergio Escrivão Filho – JusDh: (61) 9199-3068

Movimento estudantil da UnB se posiciona em defesa das cotas

Por João Telésforo Medeiros Filho

O Supremo Tribunal Federal iniciou hoje o julgamento do sistema de reserva de vagas para negros e indígenas no exame vestibular, as cotas. Quando o partido Democratas* ajuizou a ação contra as cotas, o Diretório Central dos Estudantes Honestino Guimarães da UnB, gestão Pra Fazer Diferente!, da qual alguns membros do B&D orgulhosamente fazíamos parte, divulgou nota rebatendo os argumentos do DEM e defendendo o sistema de cotas. Você pode lê-la aqui. O DCE também ingressou com pedido de amicus curiae no STF, aportando informações e argumentos em defesa das cotas. Na gestão seguinte, Amanhã Vai Ser Maior, o DCE realizou, em 2010, a I Semana da Consciência Negra da UnB, e seguiu em defesa das cotas para combater a desigualdade e a exclusão, inferiorização e negação de oportunidades a amplas parcelas de nossa população pelo fato de serem socialmente reconhecidas como negras.

Agora, infelizmente, desde o fim do ano passado, o peemedebismo, aquela forma de fazer política que evita polarizações para não desagradar a ninguém, instalou-se na direção do DCE-UnB, sob a gestão liberal-conservadora da Aliança pela Liberdade – mas, se quiser, pode chamar também Aliança pelo vigilantismo e pela militarização da segurança do campus. Com a tal Aliança, o DCE simplesmente calou-se sobre a questão das cotas; sequer promoveu qualquer debate sobre o assunto.

Felizmente, no entanto, várias outras entidades estudantis da universidade levantaram sua voz em defesa das cotas neste momento crucial. Uma delas foi o Centro Acadêmico de Direito, gestão Inclusão, cuja nota pública divulgo abaixo. Leia também, aqui no site, texto de Gustavo Capela, de 2009: “Preto no Branco: As cotas raciais como ação afirmativa“.

*O principal porta-voz do Democratas contra a reserva de vagas para negros, vale a pena lembrar, era o Senador Demóstenes Torres.

Nota pública sobre o sistema de cotas

Hoje, dia 25 de abril de 2012, os ministros do Supremo Tribunal Federal encontram-se reunidos para julgar a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 186, ajuizada pelo Partido Democrata contra atos administrativos do Conselho de Ensino, Pesquisa e Extensão da Universidade de Brasília, especificamente a implementação do sistema de reserva de vagas para negros e negras no exame vestibular, o sistema de cotas. Julga-se hoje se a reserva de vagas fere os princípio da igualdade, da legalidade, e do repúdio ao racismo. A decisão estabelecerá a leitura constitucional feita pelo STF desses princípios e apontará, invariavelmente, os caminhos interpretativos para se compreender as questões do combate ao racismo e outras formas de opressão pelo ordenamento estatal brasileiro.

 Em junho de 2004, após extenso processo de debates, a UnB tornou-se a primeira universidade pública federal a implantar o sistema de cotas raciais para reserva de vagas no exame vestibular. Nós, da Gestão Inclusão, do Centro Acadêmico de Direito da UnB, entendemos que a iniciativa pioneira da Universidade demarca o necessário, ainda que tardio, reconhecimento de um quadro social que, por razões históricas, compreende um desequilíbrio de oportunidades de acesso ao ensino superior em desfavor das populações negras.

 O sistema de cotas, foi, e ainda é, alvo de constantes críticas, seja em sua aplicação, seja pelos próprios princípios que o conformam. Questionam-se a adequação, eficácia e mesmo a necessidade da medida. Entendemos, no entanto, que a configuração de nossa sociedade, historicamente construída sobre estruturas elitistas de privilégios e exclusões, alimenta um processo que em vários níveis resulta na exclusão de negros e negras do sistema educacional. Desde o início de sua formação escolar, passando pela inserção no mercado de trabalho, negros e negras são subestimados, desvalorizados e inferiorizados, seja em suas capacidades, sua aparência ou suas manifestações culturais. Por consequência, ainda que não oficial ou obrigatoriamente, ficam demarcadas posições sociais identificadas como próprias ou esperadas a pretos e pardos. Esses padrões sociais, reproduzidos pelo tratamento desigual baseado na raça e na cor da pele, conformam percepções e representações na mídia e na cultura que realimentam o preconceito, muitas vezes inconsciente, mas fundante da desigualdade.

 Partindo dessa leitura, percebemos que há, inafastavelmente, uma grave questão racial no Brasil, um problema complexo que deve ser tratado com seriedade. A resposta institucional da Universidade, ao estabelecer o sistema de cotas, não cria um privilégio; como política afirmativa de inclusão, ela trata de equilibrar uma situação de grande desigualdade entre negras/os e brancas/os no acesso à universidade. Ela ainda garante aos negros e às negras, com toda as suas histórias, percepções e experiências únicas, inserção nos espaços de produção de conhecimento e cultura, fazendo cumprir, assim, um dos mais importantes papéis universitários, principalmente para a Universidade de Brasília, o de pensar o país e enfrentar seus desafios. Isso só pode ser feito satisfatoriamente a partir das vivências e construções epistemológicas e axiológicas de grupos que hoje ainda aparecem como exceção no ambiente universitário e no mercado de trabalho socialmente valorizado.

 Ademais, vale ressaltar que, apesar de percebermos a importância de cotas sociais, discordamos das propostas que visam a identificá-las com cotas raciais. Ainda que, não por acaso, haja ligação entre questões de raça e classe no Brasil, a luta pela inclusão de grupos economicamente explorados e a luta por reconhecimento e inclusão racial têm raízes sociais, culturais e políticas distintas, de modo que devem ser tratadas distintamente. Discordamos do tradicional discurso que procura invisibilizar o problema racial no Brasil, tratando das pressões sociais que eventualmente surgem sintomaticamente sem jamais reconhecer a própria exclusão de raça. Enfrentar a exclusão e defender a inclusão por via de ações afirmativas no Brasil nos parece conclusão necessária ao reconhecimento da questão racial na sociedade brasileira.

Assim, expressamos publicamente nosso apoio às iniciativas da universidade especificamente destinadas à promoção do acesso de populações negras à universidade, em especial o sistema de cotas raciais, conscientes de que esse sistema deve ser constantemente reavaliado e aperfeiçoado, sem que se perca de vista o objetivo de democratizar o ambiente universitário e aprofundar a política de inclusão.

No mesmo sentido, esperamos que o julgamento do STF, longe de resolver uma situação estrutural de opressão, ou mesmo de esgotar as interpretações possíveis da luta pela inclusão, demarque o compromisso do Estado brasileiro em enfrentar as constantes violações aos direitos de negros e negras vítimas do racismo entranhado em nossa sociedade.

Centro Acadêmico de Direito da Universidade de Brasília (CADir UnB)

Gestão Inclusão

Para fortalecer o debate sobre a legalização do aborto no Brasil

Por Mayra Cotta

Nesta semana, o debate sobre o aborto se intensificou. Em São Paulo, religiosos se uniram para chamar de assassinas as mulheres favoráveis ao aborto. No Congresso, feministas que protestavam contra a MP 557 foram agredidas pelos seguranças da Casa. E continuamos sem progredir no tema. Dificilmente, a legalização do aborto virá de nossos parlamentares, mas ainda há chances de avanço no STF.

Evidentemente, há interesses em conflito no debate acerca do aborto – de um lado, a proteção do direito à vida do feto; de outro, a tutela da saúde e da maternidade voluntária. De fato, a nossa ordem constitucional consagra a proteção de direitos fundamentais da mulher relativos à sua saúde e autonomia reprodutiva. Por outro lado, protege a vida do nascituro – embora não com a mesma intensidade com que garante a vida das pessoas já nascidas.

Sobre isto, cumpre destacar o entendimento que vem sendo adotado nas decisões dos Tribunais Constitucionais de diversos países, segundo o qual a vida do nascituro é protegida pela Constituição, embora não com a mesma intensidade com que se tutela o direito à vida das pessoas humanas já nascidas. Dessa forma, conforme avança a gestação e o feto ganha independência em relação ao corpo da mãe, o grau de proteção conferido à vida intra-uterina vai sendo intensificado. É justamente esta ligação entre o feto e o corpo da mulher que pode fazer surgir colisões de interesses que precisarão ser resolvidas por meio de ponderação.

Diferentemente das regras, os princípios, na elaboração teórica clássica de Alexy, não são aplicados pela lógica do “tudo ou nada”. Ao contrário, deve ser buscada uma ponderação de valores constitucionais, de modo que o sacrifício de um dos bens jurídicos em conflito seja o menor possível. Se dois princípios colidem, portanto, um deles terá de ceder, sem que isso implique em sua eliminação, apenas indicando, no caso, a prevalência de um sobre o outro. Sabe-se que princípios jurídicos não comportam conceitos prontos e acabados, mas antes possuem densidade, sendo possível apenas estabelecer o seu conteúdo mínimo. São, por isso, “mandamentos de otimização”, ou seja, normas que ordenam que algo seja realizado na maior medida possível, dentro das possibilidades jurídicas e fáticas existentes, podendo ser satisfeitos em graus variados.

Dessa forma, a aplicação de princípios requer sempre interpretação, sendo necessário recorrer à técnica da ponderação ou sopesamento entre eles quando mais de um estiver em conflito. Partindo desta idéia, é possível concluir que, não obstante deva ser protegido o embrião, os interesses deste são passíveis de ponderação frente a outros valores jurídicos. Não se questiona que a união do óvulo e do espermatozóide faz surgir uma forma de vida que já carrega em si todas as disposições para tornar-se pessoa, sendo possível afirmar que o embrião deve ser abrangido, até determinada medida, pela proteção e dignidade do homem já nascido. Por outro lado, também não se questiona que o embrião seja, como diz Roxin, apenas uma “forma prévia, ainda muito pouco desenvolvida, do homem, que não pode gozar da mesma proteção que o homem nascido.”

Enquanto o feto não for capaz de desenvolver-se fora do útero materno, a vida da mãe é prioritária, e como ‘vida’ incluem as condições psíquicas e físicas para assumir a gravidez. Afinal, não pode o direito exigir o heroísmo, devendo se contentar com o “mínimo ético” ao compreender que a maternidade indesejada pode acarretar intenso sofrimento à mulher. A legislação brasileira deve achar o ponto de equilíbrio entre os direitos humanos da gestante, a proteção à vida do embrião ou feto, reconhecendo que a proteção conferida à vida do nascituro não é uniforme durante toda a gestação, uma vez que a tutela da vida vai aumentando progressivamente na medida em que o embrião se desenvolve, tornando-se feto, até ser viável de forma independente da mãe.

Afinal, o que é valor histórico?!

Por Laila Maia Galvão

Durante encontro de história do direito realizado no ano passado, na Universidade Federal de Santa Catarina, o excelente pesquisador do departamento de história Paulo Pinheiro Machado fez um relato de um dos momentos mais difíceis de sua pesquisa sobre a guerra do contestado. Ele descreveu como alguns fóruns de justiça passaram a jogar no lixo, literalmente, todo os processos mais antigos das respectivas comarcas e como ele e outros colegas historiadores se atiraram nesses lixos a fim de resgatar esse material de inestimável valor histórico.

No dia 29 de dezembro de 2011 entrou em vigor a resolução 474, do STF. Os processos e documentos do STF poderão receber o selo “Tema Relevante” a partir de critérios de análise que levam em conta “relevância” e “valor histórico”. A resolução  estabelece que “o valor histórico é o atributo concedido aos processos e demais documentos que representem um acontecimento, fato ou situação relevante para a história do Tribunal e da sociedade, bem assim os de grande repercussão nos meios de comunicação”.

A resolução parece acompanhar as sugestões contidas na Recomendação 37 do CNJ, de 15 de agosto de 2011. A recomendação, que pedia aos Tribunais a observância das normas do Programa Nacional de Gestão Documental e Memória do Poder Judiciário – Proname, já havia gerado polêmica, especialmente porque determinava o armazenamento eletrônico somente do inteiro teor das sentenças, das decisões terminativas, dos acórdãos e das decisões recursais. O restante dos autos seria eliminado.

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