Feminismo, militância e autocuidado

Texto de Manuela Melo para as Blogueiras Feministas. Originalmente publicado aqui (http://blogueirasfeministas.com/2014/11/feminismo-militancia-e-autocuidado/)

A nós mulheres foi delegado o cuidado. O cuidado da casa, dos filhos e filhas, dos irmãos e irmãs, do marido, dos animais domésticos. O cuidado na profissão: somos maioria na enfermagem, no serviço social, na pedagogia. O cuidado (dos outros) perpassa nossa realidade desde muito cedo.

Quando as mulheres brancas de classe média alta saíram de casa para “trabalhar” (como dizem, né, porque sabemos que em casa o que se faz é trabalho também), passaram a pagar (muito pouco) outras mulheres (muitas vezes negras e sempre pobres) para fazer o cuidado. Com a casa, com filhos/as, animais. O cuidado pode ser menos rotina na vida de algumas mulheres que de outras, mas segue sendo uma atividade implacavelmente feminina, por conta do patriarcado e da divisão sexual do trabalho.

Foto de Eduardo Fonseca Arraes no Flickr em CC, alguns direitos reservados.

As mulheres reivindicam há muitas décadas o espaço público. O espaço político, institucional, a participação e reconhecimento nos movimentos sociais, no trabalho, na mídia. Queremos, com razão, ocupar a rua, espaço historicamente masculino. A rua era deles, a casa, nossa — e digamos, nem isso, porque por séculos nos foi negado inclusive o direito de propriedade. Queremos o espaço público e por isso ainda hoje saímos às ruas para dizer: O corpo é meu, a cidade é nossa!

Reivindicar o espaço público não é negar o privado. É negar, em verdade, a dicotomia público-privado, que só serve à desvalorização do chamado espaço privado, espaço destinado a nós historicamente. Faz tempo que se diz que o pessoal é político, isto é, o que se faz no “privado” tem conotações políticas, de opressão e dominação. E que o político é pessoal: as relações políticas precisam considerar as dimensões dos sentimentos, da emoção, da vivência subjetiva das pessoas.

Não devemos negar o cuidado. O cuidado é essencial, e é por isso que o patriarcado o mantém tão intacto. Não há como viver sem cuidado. Não há porque viver sem cuidado. O cuidado nos fortalece para a luta. O cuidado faz parte da luta.

Nesse sentido, se cuidar é uma tarefa militante. Vivemos em um mundo capitalista de fluxo de informações e pressão pela produtividade que nos oprime na dimensão subjetiva e objetiva e nos ameaça a saúde física e mental.

As mulheres militantes, em geral, são responsáveis pelas atividades de cuidado da casa, dos/as filhos/as, do seu trabalho fora de casa, da sua capacitação e educação (mais mulheres têm educação formal que homens, mas isso não se reflete na oferta de empregos para nós, então em geral nos capacitamos cada vez mais para tentar, sem sucesso, compensar essa diferença), e também das atividades militantes. Para além da tal dupla jornada de trabalho. Para muito além.

As atividades militantes também envolvem cuidados. Cuidados com os companheiros e companheiras, com as populações oprimidas: com as mulheres vítimas de violência doméstica, com os drogadictos, com as mulheres que abortam; e o cuidado com o próprio funcionamento da atividade desenvolvida.

Nessa tripla ou quádrupla jornada de trabalho e de cuidado, em que momento cuidamos de nós? Esquecemos de nossa saúde física e mental. De nosso lazer, de nosso crescimento pessoal, de nossa conexão com as pessoas. Acabamos, muitas, vezes, adoecendo fisicamente, ou em depressão, por dedicarmos nosso tempo ao externo e negarmos a nós mesmas o cuidado que também merecemos.

Foucault dizia que não é preciso ser triste para ser militante, mesmo que a coisa que se combata seja abominável. Mas as coisas que combatemos são mesmo abomináveis. As pessoas morrem de fome, são estupradas, assassinadas por homofobia, não têm onde morar, são assassinadas pela polícia, são internadas contra a sua vontade — e a lista é infinita. Militar é se confrontar com o que há de pior no mundo, porque na práxis militante nós vamos aos poucos entendendo melhor como o mundo funciona e ele funciona abominavelmente. Militar é uma tarefa de resistência, porque somos reprimidos pelo estado, pela ideologia dominante, pela mídia, ….e a lista segue. Para resistir é preciso força. Para termos força é preciso cuidado. Já dizia a Gal Costa: é preciso estar atenta e forte.

Como fazer para manter as esperanças, a vontade de viver e de mudar o mundo, quando todos os dias nos reprimem e machucam? É preciso cuidado. Cuidado individual e coletivo. O cuidado deve ser uma tarefa comunitária. Não há relação que seja meramente política. sua(seu) companheira(o) de militância deve te cuidar e você deve cuidar dele também, para que sigamos nos fortalecendo, resistindo e crescendo. Então, repito, cuidar é uma tarefa militante.

E não achemos que o cuidado é egoísmo, perda de tempo, coisa de pequena burguesia; isso só faz reproduzir as estruturas patriarcais capitalistas de cuidado (as mulheres vão seguir cuidando dos outros e não de si) e nos enfraquece perante nossos adversários na luta social, que estão todos muito bem cuidados pelas mulheres que eles pagam para isso.

Emma Goldman uma vez disse que “Se eu não posso dançar, não é a minha revolução”. E é essa a verdade. Não podemos reproduzir a lógica de trabalho capitalista que nos impõe modelos de produtividade e meritocracia em nossa atividade militante. Se não podemos ter lazer, amor, se não podemos nos cuidar, não é a nossa revolução.

Mulheres, cuidem-se. O auto-cuidado é uma tarefa revolucionária!

Autora

Manuela Melo é estudante de Direito da UnB. Mulher, nordestina, militante feminista intersecional e que tem coragem de sonhar e lutar com um mundo sem opressões.

A banalidade do mal no “time do bem”

No ano passado, um oficial da PMDF foi filmado em uma manifestação jogando spray de pimenta indiscriminadamente em manifestantes pacíficos. Ao ser perguntado de forma educada pelos manifestantes por que teria feito aquilo, respondeu prontamente “porque quis”, estampando um sorriso despreocupado no rosto. As imagens ganharam repercussão nacional e indignaram a população em mais esse caso de abuso e violência policial.

O fato revelou a completa falta de controle sobre a atividade policial, que parece ter poder para realmente fazer o que quer contra manifestantes, mas também contra todos os setores que enfrentam a hegemonia branca e racista, heterossexual, cis e homofóbica, burguesa e conservadora. Não é atoa que, além de manifestantes, são também os pobres e negros, os homossexuais, travestis e prostitutas, os que mais sofrem com a desmedida violência policial todos os dias nas nossas cidades.

Capital viva-3Hoje, esse oficial que “faz o que quer” em sua função pública se apresenta como candidato a deputado distrital e o slogan, estampado em seus panfletos e adesivos de carro é nada menos que seu mal-afamado bordão,‪#‎porquequis‬. Se ele faz o que quer como servidor público, como policial, o que fará como Deputado?

A cada 100 candidatos a deputado distrital nas eleições atuais, pelo menos oito são ligados à segurança pública. Até aí, nenhum mal. Policiais devem ter direitos políticos como qualquer cidadão. Defendo inclusive a ampliação de seus direitos, com a desmilitarização da polícia, para que lhes seja garantido o direito de greve, o que hoje, no modelo militarizado, é proibido. Minha preocupação não é com o fato de cidadãos ligados à segurança pública apresentarem suas candidaturas. O problema mesmo é o que defendem e como defendem.

São eles os responsáveis pelo discurso militarizado que contrapõe a polícia à sociedade. Sob a desculpa de combater bandidos, o que fazem é fortalecer o caráter militar do Estado contra a população. Esses setores atrasados das corporações policiais não apresentam soluções efetivas para o verdadeiro problema da violência. Sob argumento de combater o crime, aumentam os casos de violência policial e o encarceramento em massa da juventude, que já tem hoje o maior índice proporcional de internos no sistema socioeducativo.

Não podemos naturalizar e banalizar esse discurso da violência do Estado contra a população. Devemos rejeitar o “fiz porque quis”, pois ele representa o oposto do que queremos de qualquer servidor público, mas especialmente das autoridades policiais, que devem fazer apenas o que é permitido pela regulamentação, seguindo os princípios de Direitos Humanos na relação de cooperação com a população. É especialmente lamentável que pessoas que defendem os direitos humanos e os movimentos sociais estejam aliadas a esses setores reacionários e possam, com suas candidaturas, ajudar a elegê-los.

Tenho orgulho de fazer parte de uma campanha do Fábio Felix, que tem compromisso irrestrito com os direitos humanos, repudia a violência e o abuso de autoridade policial e se compromete a fiscalizar a atividade policial no DF. Votando nessa candidatura, você pode ter certeza de que não elegerá nenhum desses militares irresponsáveis, pois o Psol é um partido que tem a defesa dos direitos humanos como um princípio fundamental e não vende direitos em troca de votos.

Vamos enfrentar essa mentalidade punitivista e irresponsável de segurança pública e defender um modelo de segurança que seja realmente pública e defenda os direitos humanos! Basta de desrespeito das nossas leis: segurança pública é direito nosso, e dever do Estado e seus agentes.

Domingo é dia de eleger Fábio Félix 50321 Deputado Distrital!

FALTA MUITO POUCO!
Reta final: vamos eleger um mandato em defesa dos direitos humanos?

E aí, galera?! Reta final!
Nossa campanha surpreendeu, bombou, cresceu muito mais do que imaginávamos. Falta muito pouco para garantirmos um mandato de direitos humanos na Câmara Legislativa e esse pouquinho faz toda a diferença! Você pode ajudar nele.

Como?

1 – Facebook: trocando a capa do seu perfil, curtindo e compartilhando os conteúdos da nossa página www.fb.com/fabiofelixdf

2 – Email: encaminhando emails (inclusive este boletim) de indicação de candidatura para seus amigos, amigas e familiares mais próximos. A sua opinião é muito importante para eles.

3 – Whatsapp: encaminhando uma indicação para grupos de amigos próximos ou até montando uma “lista de transmissão”, encaminhando nossos conteúdos, imagens e vídeos produzidos específicamente para esse aplicativo. Para solicitá-los, basta enviar uma mensagem para 8189-3214.

4 – Rua! Você pode tomar as ruas do DF conosco, participando de nossas panfletagens e mobilizações cotidianas. É só você ligar ou mandar sms ou um Whatsapp para 8189-3214.

Estamos na reta final! Dia 05 de outubro nosso barulho vai chegar nas urnas do Distrito Federal. É só você pegar seu título de eleitor, conferir sua zona, sua seção, e não pode esquecer a identidade! Vamos fazer muito barulho votando 50321 nas urnas do DF. A gente se encontra na festa da vitória!

Câmara proíbe doações de empresas para campanhas eleitorais – no Chile

Giorgio Jackson (Revolución Democrática) e Gabriel Boric (Izquierda Autónoma): os dois jovens ex-líderes estudantis têm feito mandatos combativos e propositivos no Congresso chileno

Giorgio Jackson (Revolución Democrática) e Gabriel Boric (Izquierda Autónoma): os dois jovens ex-líderes estudantis têm feito mandatos combativos e propositivos no Congresso chileno

A Câmara dos Deputados do Chile aprovou, na noite de 13 de agosto, reforma eleitoral com pontos importantes para criar melhores condições para a disputa política democrática e plural no país. Sob forte pressão social, o governo conseguiu aprovar mudanças importantíssimas em regras que conformam o sistema binominal no Chile – uma espécie de sistema distrital ainda mais fechado à pluralidade do que o normal, estabelecido pelo ditador Augusto Pinochet para impedir a presença institucional da esquerda radical e tornar o sistema político super rígido (torna-se extremamente difícil conseguir quórum para mudar a Constituição outorgada por ele). Para se ter ideia de seus efeitos: um partido de esquerda que teve 10% dos votos na última campanha presidencial não conseguir eleger nenhum parlamentar. (Para entender melhor a discussão política de fundo, ler aqui a qualificada intervenção do Deputado independente Gabriel Boric, ex-líder estudantil eleito pela Izquierda Autónoma).

Surpreendente, no entanto, foi a importantíssima vitória obtida, na mesma sessão, pela aprovação do fim das “doações reservadas” e do financiamento de campanhas eleitorais por empresas. O governo de Michelle Bachelet, desde o início comprometido com o grande empresariado, não apoiava essa pauta e se esforçou para tentar impedir sua aprovação. Nas Comissões, ela tinha sido rechaçada, mas os Deputados Giorgio Jackson (outro ex-líder estudantil, eleito de modo independente pela Revolución Democrática) e Vlado Mirosevic (também eleito de modo independente pelo Partido Liberal) conseguiram articular sua reapresentação e aprovação no plenário da Câmara. Somente a UDI, partido da direita mais conservadora, pinochetista, colocou-se explicitamente contra. A proposta foi aprovada por um voto. A batalha segue, agora, no Senado.

No sistema eleitoral chileno, plasmado pela ditadura neoliberal de Pinochet, chama a atenção a bisonha possibilidade legal das doações secretas, reservadas ou anônimas para as campanhas eleitorais. Grandes empresas doam milhões de dólares para partidos e candidatos, e o eleitorado simplesmente não tem o direito sequer de sabê-lo. É inacreditável, mas é isto mesmo – ver aqui excelente matéria do sempre informativo Ciper. Não se trata simplesmente de não se saber para qual candidato vai o dinheiro: não se conhece sequer o partido ou coalizão no qual a empresa investiu… Sabemos simplesmente quanto cada empresa doou, mas não para quem; conhecemos também a quantidade de fundos “reservados” recebidos pelas campanhas, mas não de onde vêm. Temos a informação, por exemplo, de que as empresas responsáveis pelo megaprojeto HidroAysén, de produção de energia – e que depende bastante de influência política para superar as fortes restrições socioambientais que enfrenta -, doaram 4 milhões de dólares na última campanha, mas não sabemos para quem (podemos supô-lo…).

Segundo o jornal La Tercera, a Câmara aprovou o fim desse tipo de doação, e avançou também para estabelecer a proibição do financiamento empresarial de campanha, devido à pressão popular. Muitos Deputados votaram nisso a contragosto, movidos pelo temor do desgaste junto às suas bases, dado que os movimentos sociais de perspectiva antineoliberal têm apresentado grande capacidade de convocação e de agendar o debate público no Chile nos últimos anos.

Na torcida para que o Senado não desperdice a oportunidade de consolidar esse salto do sistema político do Chile, no sentido da redução do poder econômico na política e da superação parcial do legado autoritário de Pinochet, fechado à pluralidade e à participação popular.

Aqui no Brasil, superar a influência do poder das empresas nas campanhas eleitorais é também uma vitória a ser conquistada no próximo período. A consolidação da vitória já anunciada no STF, e o impedimento de que seja desfeita no Congresso Nacional, só será possível com muita mobilização social.

Ver também, aqui no blog:

Lei Antiprotestos é derrotada no Chile, e segue a luta pela Assembleia Constituinte

Reimaginar a esquerda: o chamado que também vem do Chile

Unidade da esquerda. Qual esquerda? Novas alternativas políticas em construção no Chile

Politizar demandas corporativas: o êxito do movimento estudantil chileno

No Chile, o Brasil que não queremos: termoelétrica de Eike Batista X biodiversidade e comunidade de pescadores