Prefácio do livro do B&D

Leia abaixo o honroso prefácio da profa. Deisy Ventura (IRI-USP, editora do blog Educar para o Mundo) ao livro do B&D lançado há um ano na 1ª Conferência de Desenvolvimento do IPEA. Ainda temos alguns exemplares, não deixe de passar no estande do B&D na #arenacode amanhã ou sexta e pegar o seu!

Prefácio

A estrutura institucional das universidades oferece aos titulares de numerosos cargos a vertigem do poder. Ilusório, na maior parte dos casos; sempre ínfimo, quando real. Lástima, portanto, a autofagia que testemunhamos na política universitária atual: é a partilha voraz do quase nada, é a batalha vã.

Melhor seria pensar nos órgãos da universidade como catapulta do saber que produzimos. Porque o que produzimos, e principalmente o que deixamos de produzir na universidade, isto sim é poder verdadeiro. Quando não fabricamos o novo, reiteramos o velho na formação de milhões de jovens que passam pelo ensino superior, em declarações à imprensa de “especialistas”, na colaboração nem sempre decente com órgãos públicos e privados. Em alguns campos específicos do conhecimento, como é o caso do Direito, ao seguir repetindo o que não tem mais eco na realidade, vamos caindo na irrelevância. E quando o Direito não é importante para um país, resta o quê? A força? O mercado?

É, pois, penoso o convívio cotidiano com a parte amorfa ou com a parte conservadora da universidade (que não são o mesmo, mas que dão no mesmo). A liturgia acadêmica traz consigo: um exército de homens que sabiam javanês (para limabarretear um pouco); as redes de amigos, ditas “capelas”, que partilham entre si convites, verbas e honrarias, além de algumas notas na CAPES e certos conceitos no Qualis; ou o pretenso antídoto que resulta quase pior, a defesa de uma meritocracia impossível, num país retalhado pela desigualdade, e no campo por excelência da desquantitatividade, a educação (e me desculpem os estatísticos, porque duas trajetórias iguais de formação não existem, e o abraço entre um professor e um aluno, por exemplo, pode ser de um efeito imensurável para a pátria); a discriminação dos que fazem extensão universitária, apresentada como incompatível com a excelência, logicamente porque esta estaria longe, talvez lá nos Estados Unidos; e entre muitos elementos de uma lista que seria longa, encerro com o que nos interessa agora, o fato de que a nata do ambiente acadêmico dissemina uma alergia, uma aversão, quase pânico, ao engajamento, a quem tem partido, a quem anda com adesivo e faz discurso, aos malditos militantes, estes que não são neutros, que atrapalham as reuniões, que interrompem a aula, que criticam tudo e vêm com esta maldita política. Cruzes! – entre outras, as que estão em muitas salas de aula, Brasil afora, e na do plenário do Supremo Tribunal Federal.

Pois em meio a este adverso contexto, conheci, primeiro, as meninas e os meninos do Fórum da Esquerda, em plena Faculdade de Direito do Largo de São Francisco, com camisetas vermelhas, escrito nelas isto mesmo, “Esquerda”. Que surpresa! Apanharam muito, imaginem só o quanto, mas nunca desistiram.  E pasmem, com mais de 700 votos, no coração da elite brasileira, venceram, há pouco, as eleições para o legendário Centro Acadêmico XI de agosto.

Depois, eu que sempre disse que não gostava de Brasília, comecei a pensar numa frase que Loussia Félix um dia usou a meu respeito, justamente num prefácio, como este que ora faço: diz a canção, o novo sempre vem. Em listas de discussão como a da Associação Brasileira do Ensino do Direito (ABEDI), em conversas com amigos, mais tarde no twitter, fui conhecendo os protagonistas do Brasil & Desenvolvimento, até me ver numa sala da Universidade de Brasília com eles, conversando sobre o que há de mais interessante para se conversar hoje. E não é que eles falam a palavra “Revolução”?

Neste livro mesmo, já no nome está o revolucionar. Crime contra a humanidade, para a Mireille Delmas-Marty, é aquele que retira nossa singularidade, e foi o que se fez no Brasil durante décadas, em que a gente não era a gente, éramos de esquerda, ou comunistas, ou vermelhos, e alguns foram por isto mortos ou escorraçados. Pior, o legado da Guerra Fria ainda é vivo. A esquerda é discriminada, sim, como autoritária, utópica, chata, incompetente, superficial, e agora que – a exemplo de outros países no mundo – existe, no Brasil, a “esquerda no poder”, todos nós podemos ser também chamados de corruptos, fisiológicos, etc. Mas na universidade, especialmente, somos os vagabundos grevistas, os que tem mania de convidar até os sem-terra pra vir aqui (o cúmulo), os que manifestam por “qualquer coisa” (educação, saúde, democracia), e me diz pra quê tantos emails?

Na universidade, a grande objeção à esquerda é, porém, sua densidade acadêmica. E as meninas e os meninos do B&D são uma resposta viva a esta objeção. Buscam as melhores referências, estudam, discutem à exaustão, sem deixar de lado a rua, o microfone, a câmera. Escrevem e falam bem, cultivam-se, possuem tino, discernimento, exalam esta radicalidade de quem vai mesmo à fonte ver onde começa o rio.

Um de seus diversos frutos é este livro, feliz parceria com o IPEA que merece, por ela, os maiores parabéns. O virtual do blog que sempre lemos passa agora ao formato tangível que nós tanto amamos. Nós que vivemos em meio aos livros, que adoramos o cheiro deles, o frescor do que acaba de sair da gráfica, a textura daquele que garimpamos nos sebos. Nós que nos dispusemos a conhecer o acervo do que o homem viveu e vive, que queremos saber de onde viemos, e no caso do grupo B&D, sobretudo, nós que queremos opinar sobre para onde vamos.

Pois a jovialidade dos posts do blog tinge agora o papel, e é uma honra para mim prefaciar esta dose de inteligência inquieta, numerada e encadernada, na que vai, mais do que meu prefácio, meu respeito intelectual e meu carinho de companheira. E o faço hoje, dia que comecei lendo uma notícia sobre a propositura de ação contra os supostos torturadores da Presidenta eleita do Brasil, Dilma Roussef. Foi quando pensei, cá com meus muitos botões de camadas de roupas de inverno, talvez seja isto, talvez quando estes meninos e meninas do B&D forem chegando, dos mais diversos modos, aos espaços de poder, e só o farão para renová-los, talvez os torturadores que em cantinhos e saletas do Brasil humilham e destroçam jovens pardos e pretos e pobres, pensem assim: melhor parar, nunca se sabe, agora qualquer um da periferia pode, um dia, virar Presidente do Brasil.

Genebra, 5 de novembro de 2010.

Deisy Ventura

Professora do Instituto de Relações Internacionais da USP

Doutora em Direito da Universidade de Paris 1, Panthéon-Sorbonne

Visiting Scholar do Instituto de Altos Estudos Internacionais e do Desenvolvimento de Genebra

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