Interrompamos, ainda que tardiamente, a anencefalia do Supremo

Por Camila Damasceno

“Severina é uma mulher que teve a vida alterada pelos ministros do Supremo Tribunal Federal. Em 20 de outubro de 2004 estava internada em um hospital do Recife com um feto anencéfalo na barriga. No dia seguinte, iniciaria o processo de interrupção da gestação. Nesta mesma data, os ministros derrubaram a liminar que permitia que mulheres como Severina antecipassem o parto de fetos incompatíveis com a vida. Severina, mulher pobre do interior de Pernambuco, deixou o hospital com sua barriga e sua tragédia. E começou uma peregrinação por um Brasil que era feito terra estrangeira – o da Justiça para os analfabetos. Neste mundo de papéis indecifráveis, Severina e seu marido Rosivaldo, lavradores de brócolis em terra emprestada, passaram três meses de idas, vindas e desentendidos até conseguirem autorização judicial. Não era o fim. Severina precisou enfrentar então um outro mundo, não menos inóspito: o da medicina para os pobres. Quando finalmente Severina venceu, por teimosia, vieram as dores de um parto sem sentido, vividas entre choros de bebês com futuro. E o reconhecimento de um filho que era dela, mas que já vinha morto. A história desta mãe severina termina não com o berço, mas em um minúsculo caixão branco.”, de Uma História Severina, por Débora Diniz e Eliane Brum.

Oito anos depois, o STF se prepara para decidir sobre a vida de outras Severinas. No dia 11 de abril de 2012, será o julgada a ADPF 54 sobre anencefalia. “A CNTS [Confederação Nacional dos Trabalhadores na Saúde] espera que sejam acolhidos os seus argumentos. Um deles é o de que viola a dignidade da mulher obrigá-la a levar a termo uma gestação inviável. A dignidade humana significa, entre outras coisas, direito à integridade física e psicológica.” defende Luiz Roberto Barroso em artigo publicado no blog do Noblat.

“O diagnóstico da anencefalia é feito em torno do terceiro mês de gravidez. Nesse contexto, obrigar a mulher a levar a gestação a termo significa impor a ela, por seis meses, um sofrimento imenso e inútil. Ela passará por todas as transformações físicas e psicológicas da gravidez, só que, no seu caso, preparando-se para o filho que não chegará. O parto não será uma celebração da vida, mas um ritual de morte. Ela não sairá da maternidade com um berço, mas com um pequeno caixão.”

Antes do julgamento, no dia 10 de abril, haverá um debate sobre o julgamento da APDF na Faculdade de Direito da UnB, Campus Darcy Ribeiro. O evento contará com a presença da Professora Débora Diniz (SER/UnB), diretora do documentário Uma História Severina* e marcará o lançamento do Centro de Estudos em Desigualdade e Discriminação – CEDD.

*O documentário participou de 33 festivais nacionais e internacionais e recebeu 17 prêmios.

Mobilização – Caso Cesare Battisti

Por Laila Maia Galvão

Nos últimos meses e, principalmente, nos últimos dias, o grupo Brasil e Desenvolvimento se envolveu nas discussões e nas mobilizações referentes ao caso Cesare Battisti. Nos aproximamos agora, tenebrosamente, do julgamento do Supremo Tribunal Federal da Extradição 1085. Se, por um lado, esse dado impulsiona nossa luta e nossas reinvindicações, por outro sentimos o peso de estarmos correndo contra o tempo, literalmente. Battisti, que se encontra encarcerado há dois anos, mesmo após a concessão do refúgio (!), está com a saúde abalada e seu estado psicológico se encontra bastante debilitado por decorrência de um sentimento de extremo desgosto que o toma por completo.

O envolvimento do grupo representa um envolvimento político, que, por sua vez, significa um envolvimento em todos os sentidos: tanto racional como passional. Sabemos que a política não pode e nem deve se afastar das paixões.

O engraçado é que nesse caso Battisti várias pessoas tentam camuflar uma questão que é também, e principalmente, política. Argumentos são expostos como sendo unicamente técnicos e desprendidos de qualquer valoração de conjuntura política. Para mim, temos alguns claros disfarces de pré-conceitos de todos os tipos, em um discurso que se diz racional e neutro.

Pois bem. Poderia trazer aqui uma série de argumentos com os quais eu comungo. O fascinante desse caso Battisti é que se pode enxerg­á-lo a partir de vários prismas. Uma análise aprofundada de todos as possíveis abordagens poderia ser tema de um livro inteiro. Gostaria, então, de abordar uma das questões que me incomoda e que me preocupa, sendo ela uma das razões que me motiva a agir nesse caso.

Entendo que uma possível decisão do STF pela extradição pode representar um grande retrocesso. Durante vários anos, o Brasil tem trabalhado a questão dos institutos de seu direito interno e também do direito internacional de modo a garantir a proteção dos direitos humanos, em todas suas esferas. Antes, quando era concedido o refúgio, o processo de extradição era automaticamente arquivado. Agora, abre-se o precedente para que haja uma análise esmiuçada da concessão de refúgio pelo Supremo Tribunal Federal. A interpretação da questão do refúgio deveria ser a mais extensiva possível, de modo a preservar da forma mais ampla a recepção do refugiado estrangeiro. Na lei que trata da questão, o refúgio pode ser concedido para aquele que sofre perseguições por opiniões políticas. O relator Cezar Peluso diz que não há perseguição, ao contrário do que sustentam outros, como, por exemplo a escritora Fred Vargas, que diz: Por que, sobretudo, o ministro não informa seus colegas do conhecido fato ocorrido na França em Agosto de 2004, divulgado pela mídia, quando o grupo italiano de extrema direita, DSSA, agindo por ordem dos serviços secretos italianos, programou o rapto de Cesare Battisti em Paris antes do final dos trâmites judiciais franceses? A operação tinha como nome de código: “Operação Porco Vermelho”, e as provas estão à disposição dos ministros. Será possível julgar que tais atos permitam uma vida normal num país? E que atestam um comportamento normal por parte do país requerente? A extradição também deve ser observada com o máximo cuidado. A própria sentença italiana faz referência, em diversos momentos, a “crime político”  (sem entrar no mérito se Battisti cometeu ou não os crimes, tendo em vista que sua condenação se deu com o desrespeito ao devido processo legal). A extradição, portanto, só deve ser concedida em situações muito específicas e restritas.

O Supremo Tribunal Federal não é algo distante de nós, em que se faz o juízo técnico das questões pautadas. O Supremo é um dos intérpretes da Constituição, assim como eu, você e os demais cidadãos. O Supremo não é algo apartado da sociedade, muito pelo contrário. Ele compõe o um dos três Poderes (Judiciário) e é fruto de uma construção que também passa pela gente. Se a própria sociedade é construída por nós, por que não observar da mesma forma nosso Tribunal? É por isso que devemos batalhar por um STF que apresente uma jurisprudência garantista, aberta e que preserve os direitos e garantias dos cidadãos brasileiros e dos não-brasileiros.

Lá estaremos, então, na vigília diante do Supremo Tribunal Federal (Praça dos Três Poderes), na quarta e quinta-feira, dias 11 e 12 de novembro, para que os Ministros votem pela não extradição de Battisti.

Estão todos convidados a participar!