Caixas de Brasília

Por Laila Maia Galvão

 Aos companheiros do B&D

 

Em 1969, o renomado artista Cildo Meireles, acompanhado de seus amigos Alfredo Fontes e Guilherme Vaz, abriu uma clareira ao atear fogo em uns gravetos às margens do lago Paranoá. Depois da queima, colocou dentro de três caixas de madeira as cinzas e também um pouco de terra. Uma das caixas foi enterrada no local. As outras duas passaram a integrar a obra: Arte física: Caixas de Brasília/Clareira (na foto acima). Junto às caixas, há um mapa da localização da outra caixa enterrada e também uma sequência de fotos preto e branco que expõem a vista do lago no fim de tarde, o registro da queima, a vista do lago na manhã seguinte com o resto da fogueira e todo o processo de jogar nas caixas as cinzas ao final.

Cildo Meireles relata que essa intervenção representava uma tentativa de criar e de tomar posse de um território livre. Mesmo assim, conta que para conseguir levar embora consigo as caixas de madeira, ele foi obrigado a negociar com os funcionários do aparato de controle do regime militar, que lá foram inspecionar o que estava ocorrendo no local.

Exatamente do outro lado da margem do lago Paranoá, Cildo Meireles e seu amigos podiam avistar a bela estrutura da Universidade de Brasília, que, naquele momento, era mais uma das vítimas dos atos de arbítrio desencadeados pelos militares.

O maravilhoso filme Barra 68, de Vladimir Carvalho, narra de forma contundente a história da invasão da UnB em 1968 e o desmanche do projeto da universidade livre e autônoma realizado de forma brutal pelos milicos, os quais eram tragicamente rasos, que nunca foram capazes de compreender o que estava por trás da criação UnB e que pela universidade nutriram um ódio covarde, de quem não tem o que oferecer de criativo e inovador à sociedade.

Nesse documentário, narra-se uma série de acontecimentos trágicos ocorridos na UnB: invasões, prisões, tiros, prédios queimados. Uma das partes que mais me chama atenção, no entanto, é o trecho que quebra toda a narrativa trágica. Relata o ex-aluno Ludovico Ribondi: “não tinha esse negócio mórbido, de tragédia, não. Tinha-se consciência do momento dramático que o país vivia. (…) Mas era uma turma muito alegre. Disposta. Ria-se a vontade”. No discurso em que recebe o título de doutor honoris causa, Darcy Ribeiro pede que retorne ao campus “aquela convivência alegre, aquele espírito fraternal, aquela devoção profunda ao domínio do saber e sua aplicação frutífera. Éramos uns brasileiros apaixonados pelo Brasil. Prontos a refazê-lo como um projeto próprio que fosse expressão da vontade dos brasileiros”.

Passados pouco mais de quarenta anos, a UnB, e sua bela vista para o lago, tem sido o palco da maioria dos encontros do B&D, numa tentativa darcyniana (mas não só darcyniana) de pensar e de “refazer” o Brasil. Ali iniciamos conversas e travamos debates sobre as mais profundas desigualdades e opressões, sobre as covardias e mesquinharias políticas de alguns, sobre graves violações a direitos e ataques à liberdade. Continuar lendo