Woodstock, lá e aqui, ontem e hoje

Por Laila Maia Galvão

Nos últimos dias, os telejornais têm noticiado os quarenta anos do festival de música mais famoso de todos os tempos, Woodstock. Apresentadoras de cabelos curtos reluzentes sem nenhum-fio-fora-de-lugar e apresentadores de ternos impecáveis e gravatas ajeitadas em perfeita simetria relembram, com nostalgia, seus tempos de mocidade, em que escutavam à exaustão as versões de Santana e Joe Cocker que ficaram imortalizadas pelo festival. Os dois abrem um sorriso discreto e, ao introduzirem o tema da próxima matéria, não poupam os telespectadores do clichê Era um tempo de paz e amor… Logo depois, anunciam o lançamento de um box com discos e livros do festival. É o consumo da experiência que os hippies tiveram à época. É a contra-cultura se tornando mainstream.

Poucos sabem que no Brasil nós tivemos um emblemático festival de música, não da mesma magnitude de Woodstock, é claro, mas que teve seu significado no cenário nacional. O Show do Paraíso é, muitas vezes, denominado o “Woodstock Mineiro”. Em 1977, em plena ditadura militar, jovens de todas as partes do país foram desembocar em Três Pontas, interior mineiro, para ver Chico Buarque, Milton Nascimento, Gonzaguinha, Fafá de Belém entre outros.

Entre os dias 30 e 31 de julho do ano de 77, milhares de pessoas ocuparam a Fazenda Paraíso, de exuberante paisagem e lindas montanhas. Os viajantes chegavam de diferentes lugares e a população da pequena Três Pontas dobrou nesse período.  Era tanta gente que a comida e a água da cidade acabaram rapidamente. No entanto, o clima era de confraternização e os residentes buscavam abrigar e auxiliar os visitantes.

Milton queria “colocar Três Pontas no mapa”. Três pontas fica a 350  km de São Paulo, a  300 km de Belo Horizonte e a 410 km do Rio de Janeiro, ou seja, é um ponto intermedirário entre as grandes capitais do Sudeste. Hoje, Três Pontas, com a exceção das grandes capitais, é a única cidade brasileira a estar no “mapa da música” da famosa revista Billboard. É por tal motivo que está sendo organizado o Festival Música do Mundo, em Três Pontas, de 10 a 13 de setembro. O festival de músical homenageará Milton Nacimento e Wagner Tiso. Vários shows serão realizados por toda cidade, com a participação da nova geração de músicos trespontanos e de nomes já consagrados da música brasileira, como Milton, Tiso, Ivan Lins, Tom Zé, além dos instrumentistas Nivaldo Ornelas e Nicolas Krassik. Sobre o festival de música, Milton diz: “Vai ser algo como o Festival de Montreux, mas, como é em Minas, tem de ser nos bares”.

O festival, então, é uma espécie de homenagem não só a Milton Nascimento e a Wagner Tiso, mas também ao Show do Paraíso (que, curiosamente, é pouco conhecido por nós… o almanaque dos anos 70, por sua vez, não deixa de mencionar o evento: “um grande show ao ar livre no alto da colina Paraíso”). Milton Nascimento também irá gravar um CD com essa nova geração de músicos da região, no estúdio em que construiu na cidade em que passou sua infância e adolescência.

Michael Lang, um dos organizadores do Woodstock original, buscou realizar um grande evento de comemoração dos 40 anos do festival, mas não conseguiu por falta de financiamento. Lang, autor do livro The Road to Woodstock, quando perguntado a respeito do motivo de o festival ter se tornado um referencial tão importante em nossa sociedade, responde: “I think, first of all, [it was] the size [of the festival]. I don’t think anything has ever approached that again. But beyond that, Woodstock occurred at a time, in America at least and probably around the world, where things were pretty dark. We were struggling to get out of this war with Vietnam. That whole decade had been filled with efforts to improving the human condition with human rights struggles, civil rights and women’s rights. (…)I think that when Woodstock came along it was like suddenly this amazing moment of hope, where this tremendously large group of people got together and had this amazingly peaceful experience and became this community that set an example for everybody. It really demonstrated in a practical way that there was a better way for us to live together. I think that’s why it was remembered so much. It was this moment of hope in a very dark time.”  E não se esqueçam que vem por aí o filme Taking Woodstock, do diretor Ang Lee.

São momentos históricos que estão sempre sendo revisitados e reinterpretados. Não se pode menosprezar a magnitude desses eventos e o impacto que tiveram à época. Produziram uma espécie de transe coletivo que só a música é capaz de proporcionar. E, por mais piegas que possa parecer: acreditava-se que um outro mundo era possível. De um lado, a resistência contra a guerra do vietnã, do outro a ditadura brasileira, que evitava a todo custo grandes aglomerações de jovens e que reprimia a atividade dos músicos e artistas. Milhares de pessoas, no entanto, se deslocaram para a Fazenda Paraíso e se deslumbraram com o pôr-do-sol. Lá na América do Norte o movimento hippie se fortalecia, com jovens que se recusavam a seguir o american way of life e que caíam na estrada em busca de novas experiências.

Até tentam fazer com que a imagem de um jovem que coloca a mochila nas costas e leva na bagagem os ideais de transformação do mundo pareça anacrônica. Tomara que nunca consigam.

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